– Vai,
Horácio… Toma logo!
– Eu não tomo nada sem antes ler a bula. Cadê meus
óculos?
– Pendurados no seu pescoço.
– Isso é ridículo, Maria Helena! Ridículo.
–
Então todos os homens da sua idade são ridículos. Porque todos estão
tomando. E não me puxa esse lençol, fazendo o favor. Olha aí o
bololô que você me faz nas cobertas!
– A humanidade conseguiu crescer e se multiplicar durante milênios
sem isso. Nós dois crescemos e nos multiplicamos sem isso. Taí o
Pedro
Paulo, taí o Zé Augusto que não me deixam mentir. Fora aquele aborto
que
você fez…
– Horácio, eu não vou discutir isso com você agora. Toma logo esse
negócio!
– Isso aqui faz mal pro coração, sabia? Um monte de gente já morreu
tentando dar uma trepadinha farmacêutica…
– Foi por uma boa causa. E não faz mal coisa nenhuma. Só pra quem é
cardíaco e toma remédio. Você não é cardíaco. Nem coração você tem
mais.
– Não começa, Maria Helena, não começa.
– Pode ficar sossegado que você não vai morrer do coração por causa
dessa pilulinha… Eu vi num programa do GNT um velhinho de 92 anos
que
toma isso todo dia.
– Sério?!
– Preciso de sexo, Horácio!
– Mas hoje é segunda, Maria Helena…
– Quero trepar! Foder!… Ser comida por um macho de pau
duro!
– Francamente, Maria Helena, que boca! Parece que saiu da
zona!…
– Quero ser penetrada, quero gozar!
– O sexo é uma ditadura, Maria Helena. A gente tá na idade de se
livrar dela.
– Saudades da dita dura. Olha só, você me fez fazer um trocadilho
de merda!
– Além do mais, Maria Helena, nós já tivemos um número mais do que
suficiente de relações sexuais na vida, por qualquer padrão de
referência
nacional ou estrangeiro. A quantidade de esperma que eu já gastei
nesses
anos todos com você dava pra encher a piscina aqui do prédio.
– Com o esperma que você ordenhou manualmente, talvez… O que o
senhor gastou comigo não daria nem pra encher o bidê aqui de casa. Um
penico, talvez. Até a metade.
– Maria Helena…
– E faz quase um ano que não pinga uma gota lá dentro!
– Sossega o facho, mulher! Vai fazer ioga, tai chi chuan. Já ouviu
falar em feng shui, bonsai, shiatsu? Arranja um cachorro. Quer um
cachorro? Um salsichinha?
– Quero um salsichão, Horácio. Olha aí: outra piadinha infame.
– É porque você está com idéia fixa nessa porcaria…
– Que porcaria?
– O sexo, Maria Helena, o sexo…
– Sabe o que mais que deu naquele programa sobre sexo,
Horácio?
– Não estou interessado.
– Deu que as mulheres com vida sexual ativa têm muito menos chance
de ter câncer. É científico.
– Come brócolis que é a mesma coisa, Maria Helena. Protege contra
tudo que é câncer. Também é científico, sabia? E puxado no azeite,
com
alho, fica uma delícia!
– A que ponto chegamos, Horácio! Eu falando de sexo e você me vem
com brócolis puxado no azeite!
– Com alho…
– Faça-me o favor, Horácio!
– Maria Helena, escuta aqui, você já tem 50 anos, minha filha, dois
filhos adultos, já tirou um ovário, já…
– Não fiz 50 ainda! Não vem, não! E o que é que filho e ovário têm
a ver com sexo?
– Maria Helena, me escuta. Depois de uma certa idade as mulheres
não precisam mais de sexo…
– Ah, não?! Quem decidiu isso?
– Sexo nessa idade é pras imaturas. Prás deslumbradas, prás
iludidas que não sabem envelhecer com dignidade…
– Prefiro envelhecer com orgasmos…
– O que é que o Freud não diria de você, Maria Helena!
– E de você, então, Horácio? No mínimo, que você virou gay depois
de velho. Boiola.
– Maria Helena! Faça-me o favor. Eu tenho que ouvir isso na minha
própria casa, na minha própria cama, diante da minha própria
televisão?
– Aliás, gay gosta de trepar. É o que eles mais gostam de fazer.
Você virou outra coisa, sei lá o quê. Um pingüim de geladeira,
talvez…
– Maria Helena, dá um tempo, tá? Tenho mais o que
fazer.
– Fazer? Essa é boa. O que é que um funcionário público aposentado
com salário integral tem pra fazer na vida, posso saber?
– Sem comentários, Maria Helena, sem comentários.
– Tá bom, sem comentários. Bota os óculos e lê duma vez essa
bendita bula.
– Só que precisa de dois óculos pra ler isso! Olha só o tamanhico
da letra. Se é um negócio pra velho, deviam botar uma letra bem
grande!
Pelo menos isso…
– Vira o foco do abajur para cá… assim… melhorou?
– Abaixa essa televisão também. Não consigo me concentrar ouvindo
novela! Mais…mais um pouco…
– Pronto, patrãozinho. Sem som. Vai, lê duma vez.
– O princípio ativo do medicamento é o citrato de
sildenafil.
– Sei.
– Veículos excipientes: celulose microcristalina…
– Celulose vem da madeira. Pau, portanto. Bom sinal.
– Onde foi parar a sua pouca educação, Maria Helena?
– Vai lendo, Horácio. Depois conversamos sobre a minha pouca
educação.
– Cros… camelose sádica. Croscamelose. Castrepa, Maria Helena. Me
recuso a tomar um troço com esse nome. Deve ser alguma secreção de
camelo. Se não for coisa pior!…
– Não é camelose. Num tá vendo aí? É caRmelose. Deve ser algum
adoçante artificial. Pro seu pau ficar doce, meu bem.
– Putz. Só rindo mesmo. A menopausa acabou com a sua lucidez, Maria
Helena.
– Troco toda a lucidez do mundo por um pau tinindo de tesão por
mim.
– Absurdo, absurdo…
– Que mais, que mais, Horácio?
– Dióxido de titânio.
– Ah, titânio. Pro negócio ficar bem duro.
– Índigo carmim…
– Índigo? Deve ser o que dá o azul da pilulinha.
– Será que esse negócio não vai deixar o meu pau azul, Maria
Helena?!
– E daí, se deixar? Você não sai por aí exibindo o seu pênis, que
eu saiba. Ou sai?
– Mas, e se eu for a um mictório público? O que é que o cara ao
lado não vai pensar do meu pinto azul?!
– Diz que você é um alienígena, ora bolas. Que o seu corpo está
pouco a pouco se adaptando a Terra, que ainda faltam alguns detalhes.
Ou
explica que você é um nobre, de sangue e pinto azul. Ou não diz nada,
ora
bolas. Acaba de mijar, guarda o pinto azul e vai embora, pô!
– Escuta… Agora vem a parte que explica como esse petardo
funciona.
– Isso! Quero ver esse petardo funcionando direitinho!
– Presta atenção. “O óxido nítrico, responsável pela ereção do
pênis, ativa a enzima guanilato ciclase, que, por sua vez, induz um
aumento dos níveis de monofosfato de guanosina cíclico, produzindo um
relaxamento da musculatura lisa dos corpos cavernosos do pênis e
permitindo assim o influxo de sangue. Cacete! Corpos cavernosos… Já
pensou, Maria Helena? Corpos cavernosos sendo inundados de sangue?
Puro
Zé do Caixão!
– Corpo cavernoso só pode ser herança do homem das cavernas. Vocês
homens evoluem muito lentamente.
– Pára de viajar, Maria Helena! Parece que fumou
maconha…
– Não era má idéia… Pra relaxar! Vou roubar do Pedro Paulo. Eu
sei onde ele esconde. Podíamos fumar juntos…
– Eu já tô relaxado. Tô até com sono, pra falar a
verdade…
– Lê! Lê! Lê! Lê, aí!… Você já dormiu tudo a que tinha direito
nessa vida!
– Vou ler… “Todavia, o sildenafil não exerce um efeito relaxante
diretamente sobre os corpos cavernosos…”
– Não?
– Não, Maria Helena. Ele apenas “aumenta o efeito relaxante do
óxido nítrico através da inibição da fosfodiesterase-5, a qual” –
veja
bem, Maria Helena, veja bem – “a qual é a responsável, pela
degradação
do
monofosfato de guanosina cíclico no corpo cavernoso!”. Ouviu isso?
Degradação, Maria Helena! Dentro dos meus próprios corpos cavernosos.
Isso é degradante!…
– Degradante é pau mole!
– Olha o nível, Maria Helena, olha o nível. Vamos ver os efeitos
colaterais. Olha lá: dor de cabeça. Você sabe muito bem que se tem
uma
coisa que eu não suporto na vida é dor de cabeça!
– Na cultura judaico-cristã é assim mesmo, Horácio. Pra cabeça de
baixo gozar, a de cima tem que padecer!
– Não me venha com essa sua erudição de internet, Maria Helena.
Estamos off-line…
– Deixa de ser criança, Horácio. Se der dor de cabeça você toma um
Tylenol, reza uma ave-maria, canta o “Hava Naguila’; que
passa!
– Outro efeito colateral: rubor… Rá! Rá!… Vou ficar com cara de
quê, Maria Helena? De camarão no espeto?!…
– Se for camarão com espeto, tá ótimo! Que mais, que
mais?…
– Enjôos. Ó céus. Enjôos…
– Você sempre foi um tipo enjoado, Horácio. Ninguém vai notar a
diferença.
– Vamos ver o que mais… hum… dispepsia. Que lindo. Vou trepar
arrotando na sua cara.
– Você me come por trás. Arrota na minha nuca…
– É brincadeira… É essa a sua idéia de amor, Maria Helena?!
– Isso não tem nada a ver com amor, Horácio. Já disse: é profilaxia
contra o câncer… E arrotar, você já arrota mesmo o dia inteiro, sem
a
menor cerimônia. Na mesa, na sala, em qualquer lugar.
– Como se você não arrotasse, Maria Helena!
– Mas não fico trombeteando os meus arrotos. Isso é coisa de machão
broxa. Em vez de trepar com a esposa, fica arrotando alto pra se
sentir o
cara do pedaço…
– Como você é simplória, Maria Helena, como você é… menor!
Desculpe, mas acho que o seu cérebro anda encolhendo, sabia? Ou
mofando.
Ou as duas coisas.
– Vai, Horácio, chega de conversa mole! E de pau idem. Pula os
efeitos colaterais…
– Como, “pula os efeitos colaterais”? É porque não é você quem vai
tomar essa meleca, né? Vou ler até o fim. Os efeitos colaterais são a
parte mais importante. Olha lá: gases! Que é que tá rindo
aí?!…
– Do efeito cu-lateral! Desculpa! Esse foi de propósito… Não
agüentei!
– Admiro seu humor refinado, Maria Helena. Torna você uma mulher
tão mais sedutora, sabia?
– Obrigada, Horácio.’Agora, quanto aos seus gases, pode relaxar o
esfíncter, meu filho. Numa boa. Tô tão acostumada que até sinto falta
quando estou sozinha. Sério… Fico pensando: Ah, se o Horácio
estivesse
aqui agora pra soltar uma bufa de feijoada com cerveja na minha
cara!…
– Maria Helena, qualquer dia você vai ganhar o Oscar da vulgaridade
universal!
– Vou dedicar a você…
– Vamos ver que mais temos aqui em matéria de efeitos colaterais.
Ah! Congestão nasal. Que gracinha. Vou ficar fanho, que nem o Donald.
Qüém! Qüém! Qüém!…
– Um pateta com voz de pato. Perfeito!
– Ridículo. Absurdo. Idiota.
– Ridículo você já é, Horácio. E quem não é? Além do mais, é só
calar a boca que você não fica fanho.
– Ah, tá. E se eu quiser falar alguma coisa na hora?
– Você não diz nada de interessante há mais de dez anos, Horácio.
Vai dizer justo na hora de trepar?
– Eu não nasci para dizer coisas interessantes a você, Maria
Helena…
– Já percebi.
– Hum… Ouve só; diarréia!
– Quê?
– É outro efeito colateral dessa bomba aqui. Fala sério, Maria
Helena. Isto aqui é um veneno. Não sei como eles vendem sem
receita.
– Deixa de ser pueril, Horácio. Imagine se alguém vai ter todos os
efeitos colaterais ao mesmo tempo. No máximo um ou dois.
– A caganeira e os arrotos, por exemplo? Ou a ânsia de vômito e os
gases?
– Faz um cocozinho antes. Pra esvaziar. Agora, Horácio. Eu
espero…
– Eu não estou com vontade de fazer cocozinho nenhum, Maria Helena.
Faça-me o favor. E olha aqui, mais um efeito colateral: visão
turva.
– Você bota os seus óculos de leitura. E que tanto você quer ver
que já não viu?!..
– Maria Helena, você não entendeu? Essa droga perturba seriamente a
visão! Vou ficar cego por sei lá quantas horas, quantos dias. E tudo
por
causa de uma reles trepadinha? E se a minha visão não voltar? Vou
andar de
bengala branca pro resto da vida?
– Pode deixar que eu guio a sua bengala, Horácio. Olha, pensa no
lado bom da cegueira: você vai poder me imaginar 20 anos mais moça.
Trinta, se quiser.
– Maria Helena, desisto! Não vou tomar essa porcaria e tá
acabado.
– Dá aqui essa cartela, Horácio. Abre a boca! Pronto! Engole!….
Olha a água aqui… Isso! Que foi? Engasgou, amor?! Tosse pra lá, ô!
Me
borrifou toda! Que nojo! Quer que bata nas suas costas? Ai, meu Deus!
Horácio? Você está bem? Respira fundo! Isso, isso… E aí, amor?
Melhorou?
Morrer afogado num copo d’água ia ser idiota demais, até prum cara
como
você!
– Arrrgh! E com essa pílula monstruosa entalada na garganta, ainda
por cima! Ufff! Me dá mais água!…
– Quanto tempo isso aí demora pra bater?
– Isso aí o quê?!
– A pílula, Horácio, a pílula…
– E eu sei lá?
– Vê na bula, Horácio.
– Hum… tá aqui: 30 minutos.
– Ótimo. Dá tempo de ver o fim da minha
novela!..