A votação da “Lei de Crimes de Informática” no senado reacende a discussão sobre a tutela jurisdicional no meio digital, e novamente demonstra a total incompetência legislativa para tratar do tema.
Embora existam pontos positivos na iniciativa, como a criação de tipos penais específicos para os crimes cometidos pela internet – que até então se perdiam no princípio do “Nullum crime, nulla poena sine praevia lege *” – o legislador desconsidera pelo menos três dos fatores básicos fundamentais para qualquer arquitetura funcional no meio digital. A saber: Emergência, Neutralidade Tecnológica e Inclusão Digital.
O fato é que se tenta “resolver” o problema de um sistema descentralizado e “botton-up” com uma alternativa “top-down” de normalização bur(r)ocrática, centrista, equivocada e ineficiente. “Combater” a tecnologia com burocracia é tão estúpido quanto “matar a vaca para combater o carrapato”. As vacas morrem e os aracnídeos sobrevivem na grama e procuram outros hospedeiros. (perdoem-me pela analogia… Não pensei em nada melhor)
Pior. O “sistema de identificação de usuários em território nacional” previsto é, no mínimo, um “tiro no próprio pé”. Além de não impedir qualquer ilícito – (pois os acessos e hospedagens podem ser feitas do exterior, onde não há tal exigência – e de os crackers “profissionais” já utilizarem sistemas de redirecionamento e de IP anônimo) – partem do pressuposto que o acesso à internet corresponde ao ato ilícito. Desta forma criar-se-á uma burocracia desnecessária aos provedores e usuários, dificultar-se-á o acesso ao meio virtual (promovendo a exclusão digital) e empregos e investimentos serão repassados para provedores externos, onde não existem tais exigências (pois bem sabemos que as fronteiras geográficas não correspondem às fronteiras digitais).
Ainda, abre-se uma brecha à utilização de tais dados em desproveito dos usuários, seja por possibilitar a violação arbitrária de direitos civis, seja pela possibilidade de que pessoas mal intencionadas acessem tais informações ilicitamente. É importante salientar que atualmente os dados de usuários já são registrados nos provedores de acesso, bastando que uma melhor fiscalização seja feita nos espaços públicos de acesso (lan-houses, cyber-cafés, etc) para facilitar dados de origem e autoria num determinado crime cometido pela internet.
Pretender que nossa estrutura judiciária, em suas limitações e problemas, venha a dar conta de proteger o indivíduo no meio digital é mera filosofia. Mesmo que o sistema legal não fosse tão lento, sobrecarregado e pouco aparelhado, as soluções do meio digital devem ser resolvidos pelo próprio meio. Algumas vezes pela auto-regulamentação, outras por ferramentas inteligentes de monitoramento e controle. Mas sempre de forma emergente e dinâmica. Do contrário teremos regulamentos inócuos, desatualizados e potencialmente danosos.
Pelo posto, fica evidente que há um erro de enfoque do legislador. A discussão deveria ser a Implementação e a Delegação do Poder de Polícia para Sistemas de Inteligência Artificial e Sistemas Especialistas (vide artigo). Mas por óbvio, isto está aquém da percepção de um governo que prioriza a ideologia em detrimento da técnica.
Emergência: um comportamento emergente ou propriedade emergente pode aparecer quando uma quantia de agentes simples opera em um ambiente, formando comportamentos complexos no coletivo. A propriedade em si é comumente imprevisível e imprescendente, e representa um novo nível de evolução dos sistemas. O comportamento complexo ou as propriedades não são a propriedade de nenhuma entidade em particular, e eles também não podem ser previstos ou deduzidos dos comportamentos das entidades
Neutralidade Tecnológica: A neutralidade tecnológica é um dos princípios norteadores em qualquer regulamentação no meio digital, – incorporado aos modelos de regulamentação propostos pela UNCITRAL – (vd: http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/laws.htm ) – cuja principal finalidade é manter os conceitos separados da técnica, em qualquer regulamentação, afim de manter-se a norma atualizada, independentemente da evolução tecnológica. A lei deve ultrapassar os conceitos tecnológicos atuais, mantendo-se fiel à matéria em si e não à forma como ela é aplicada
Inclusão Digital: Dentre inúmeras outras designações, podemos conceituar inclusão digital como o livre acesso dos cidadãos a esse novo mundo digital, criado pela disseminação da internet, e da comunicação a distância em geral. Livre acesso dos cidadãos a computadores, telefones celulares, e toda gama de tecnologia que rege a vida das pessoas. Essa inclusão digital só poderá ocorrer se vier acompanhada da inclusão social.
“Nullum crime, nulla poena sine praevia lege”. De fato, não há crime sem lei anterior que o defina, nem há pena sem prévia cominação legal. A legalidade e anterioridade do Princípio da Reserva Legal estão resguardadas emnosso direito no Art, 5º., XXXIX da CF, e no art. 1º do C.P.
Fonte: terra notícias
Redação TerraÀs vésperas da votação na Comissão de Constituição de Justiça do Senado, o substitutivo do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) para três projetos de lei que tramitam em conjunto pelo Congresso Nacional, que trata da regulamentação e repressão aos crimes de informática no Brasil, pode provocar uma mudança drástica na forma como se dá hoje o acesso à Internet no Brasil.
O ponto mais polêmico é a identificação dos internautas que naveguem por serviços brasileiros em que haja interatividade, ou seja, tenham a participação do usuário. Estão nesse leque as salas de bate-papo, envio de mensagens eletrônicas e textos para blogs. O projeto também obriga a identificação de quem faz a captura de dados, como músicas e imagens. O texto, conhecido por “Lei de Crimes de Informática”, deve ser votado na próxima quarta-feira, 8 de novembro, em Brasília. Se passar, será votado no plenário do Senado e em seguida é enviado à Câmara, também para votação.
Para António Tavares, presidente da Abranet (Associação Brasileira de Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet), caso aprovadas da forma que estão, as exigências podem levar os provedores a oferecer seus serviços no exterior, onde tais obrigações inexistem. Segundo ele, isso acarretaria perda de empregos diretos e indiretos, além de diminuição de investimentos no setor.
“A junção de vários projetos em um só é um trabalho insano e os resultados podem ficar longe do esperado. Estão querendo reinventar a roda e assim colocar todo um sistema em risco”, diz.
Tavares afirma que a Abranet defende a auto-regulação e participação da sociedade e dos usuários, a exemplo do que há muitos anos se consolida práticas internacionais.
Aos provedores de acesso caberia impedir o acesso anônimo do usuário à rede e o armazenamento de dados de conexões, como horários de entrada e saída, além do tempo de permanência na redes. Esses dados teriam de ser guardados por três anos. O projeto prevê que os provedores passem a ser responsáveis pela veracidade das informações prestadas pelo usuários, sob pena de responder judicialmente por possíveis incorreções. A pena para o acesso sem identificação prévia seria de dois a quatro anos de reclusão. Nesse caso, o infrator ficaria detido até o juiz estabelecer uma fiança.
O presidente da entidade avalia que exigir co-responsabilidade dos provedores na veracidade das informações prestadas é exagerado. “Querem passar para os provedores uma responsabilidade que não é deles” diz.
De acordo com o senador Azeredo, relator do projeto, inicialmente, a manutenção dos dados aconteceria por dez anos. Em sucessivos acordos, o prazo baixou para cinco eagora três anos.
“Essa é uma situação que foi colocada para nós e vamos estudar para minimizar qualquer impacto negativo para as empresas nacionais. Hoje, qualquer pessoa pode enviar uma mensagem, por exemplo, com uso de identidade falsa. Issonão interessa a nenhuma pessoa de bem”, diz Azeredo.
Além de senha, nome do usuário e número do IP (Protocolo Internet), que identifica o computador, como acontece hoje, o provedor teria de arquivar também informações do internauta como nome e endereço completo, data de nascimento, número do CPF, carteira de identidade e telefone. Para a segurança desses dados, os provedores terão de cruzar os dados, por exemplo, com o Cadastro Nacional de Pessoas Físicas e Jurídicas.
Crimes
A lista de condutas que passam a ser criminalizadas inclui dano por difusão de vírus digital, falsificação de cartão de crédito ou débito, furto qualificado por uso de informática, furto de senhas, fraude de informações, obtenção indevida de informação na rede e pishing – difusão maliciosa de código com a intenção de obter dados pessoais dos usuários, como senhas bancárias. A prática mais comum é o envio de e-mails não solicitados, apontando o link para um serviço falso, onde senhas são capturadas. As penas que estão sendo discutidas variam entra três e dez anos de detenção.
Para Demi Getschko, conselheiro do Comitê Gestor de Internet, uma nova legislação específica para a Internet se faz desnecessária. “A Internet é muito dinâmica e essas leis podem se tornar obsoletas rapidamente. Em apenas algumas situações novas, como a difusão de vírus, por exemplo, a tipificação se justifica. Para outros tipos de crime, deve ser utilizada a legislação vigente.”
Segundo ele, o projeto é exagerado, por exemplo, a obrigar as pessoas a se identificarem em canais interativos. “Uma pessoa que vá ao correio colocar uma carta, ou mesmo usa um telefone público não necessita fazer isso. Mas na Internet seria obrigado. Há muito exagero nesse sentido“, diz.
Na última semana, as entidades enviaram ao senador um documento que revela a inquietação do setor com a possibilidade das novas medidas serem colocadas em vigor. O documento alerta para o comprometimento da inclusão digital no Brasil e a
migração de prestadores de serviço, como os provedores, para fora do território nacional. Isso traria uma dificuldade ainda maior para a busca – por parte das autoridades brasileiras – dos criminosos na rede.Impacto
O relator do projeto admite que é possível que haja algum impacto entre os provedores para se adaptarem à lei em um primeiro momento, caso ela venha a ser aprovada. “Mas isso seria apenas em um primeiro momento, como acontece com qualquer mudança. A partir daí, todos seriam beneficiados”, diz.
Segundo os provedores de rede de acesso e entidades relacionadas, a aprovação do substitutivo não alcançará a finalidade a que se propõe, que é evitar o abuso e a violação do direito de terceiros. Entram aí crimes contra os direitos humanos, como racismo, a pedofilia, e crimes contra o patrimônio.
A principal alegação dos que defendem o anonimato na rede recai para outros perigos que o cadastramento dos usuários pode trazer. Isso porque os bancos de dados com informações de cunho pessoal podem ficar expostos a uma possível devassa judicial, além do risco de extravio para fins ilegais.
As obrigações excessivas impostas pelo projeto, apontam as entidades provedoras, vai custar mais para as empresas e os usuários podem ter de pagar mais pelos serviços.